terça-feira, 14 de julho de 2015

Gamificação: Algumas Armadilhas a Serem Evitadas

Este texto foi enormemente influenciado por conversas com os educadores Antonio Marcelo (Riachuelo Games) e Jorge Valpaços (historiador e professor), a quem agradeço desde já, por me despertar para escrever sobre o tema).

"Gamificação", é um termo utilizado para a aplicação de jogos em tarefas diversas, geralmente relacionadas a treinamento e educação, mas também em aspectos como sensibilização a determinados temas que, sob este tipo de ferramenta, podem ser melhor trabalhados.

Em educação é um processo (FELIZMENTE) irreversível, e os jogos vem sendo absorvidos como possibilidade técnica em sala de aula com relativo sucesso e interesse.

Ainda longe de uma ferramenta popular, no entanto, ainda demorará alguns bons anos para ser usada sem causar espanto ou estranheza.

Mas é neste meio de tempo que residem alguns problemas. A utilização de jogos como material pedagógico por quem "ouviu dizer e achou uma boa idéia" , por si, pode trazer mal-entendidos no processo e diminuir o impacto positivo em aprendizado potencial para alunos.

Este pequeno texto fala um pouco sobre isso mas, (com perdão do trocadilho) nem de brincadeira pretende esgotar o assunto.

Pois bem, o que é jogar? Antes de tudo jogos são uma simulação, uma modificação de par^metros da realidade aonde até os atos mais simples ganham regras e limitadores.

Por exemplo, se eu resolver jogar com u amigo um "basquete de bola de papel", estipularemos regras como distância do arremesso ao cesto de lixo, incluiremos ou não uma parede de tabela e, para dificultar, podemos colocar obstáculos como distância, tamanho da lixeira e se jogaremos com a mão não-dominante. Tudo isso seria mais fácil se simplesmente pudéssemos levantar e colocar a bola d epapel no lixo. Mas aí, que graça teria?

A função de um jogo nem sempre é clara, mas sempre tende a um ambiente de dificuldade que se preza a um treinamento - inútil como arremessar uma bola de papel com a mão canhota - mas muitas vezes de grande auxílio como aprender algo de geografia , raciocínio matemático-espacial (xadrez), ortografia e sentido de palavras (puzzles de jornais), desenvolvimento motor (vários esportes) e conhecimentos gerais (como jogos de programas televisivos).

Em empresas jogos tem sido usados para melhoria de relações humanas entre funcionários, estímulo criativo e, raras vezes,  seleção de profissionais a partir de capacidades demonstradas em um jogo. Ou seja, existe uma função prática de mercado de trabalho para jogos que está sendo resgatada.

Mas, sobretudo e mais importante, jogos... divertem. E é esta diversão a chave de sua durabilidade.

Dito isso, vamos ao seu uso e suas armadilhas em educação:

1) Jogos pouco criativos: Alguns profissionais tendem a usar o esquema "trilha" quando pensam em jogos. Um caminho de A ´para B em um circuito de perguntas e respostas, mediadas por um dado. Acertos fazem o jogador avançar, erros significam recuos.

Outros constroem jogos de perguntas e respostas. Em teoria para gerar interesse nos alunos, como com questões relacionadas a corpo e higiene pessoal, mas que são pesados, deixam de lado a esperiência lúdica da diversão. Vulgo, são chatos e não despertam nos alunos interesse por muito tempo.

Assim, uma armadilha a se evitar é a de usar jogos que não despertem, de fato, tesão pelo jogo. Você sabe que um jogo foi um sucesso quando os alunos falam sobre ele semanas depois, ou pedem que ele seja feito outra vez. E sabe que o jogo não funcionou quando aquele olhar de tédio de alunos é a resposta a novas propostas de jogos.

Jogos clássicos como Banco Financeiro e Guerra (evito usar os nomes comerciais aqui) tendem a ser bem aborrecidos, apesar de populares, perto do leque de opções que dispomos, hoje em dia, de jogos no mercado.

Se for criar um jogo, faça algo interessante. Há inúmeros materiais pela rede sobre isso, e recomendo o grupo Oficinas de Jogos Pedagógicos para pensar e se inspirar na temática.. Há outras boas comunidades e aceito sugestões nos comentários.

2) O Jogo como um "filminho": Caso clássico: Aquele professor que é ridicularizado em filmes por passar vídeos desinteressantes em sala de aula como conteúdo. Vulgo, o jogo que é dado sem a devida reflexão sobre seu uso como boa ferramenta.

Essa é uma tendência perigosa, e possivelmente a principal armadilha a qual corremos o risco.

Como qualquer ferramenta didática, o jogo só tem espaço e uso se tiver uma função. Isto é, se realmente tiver algo de diferente para o ensino e discussão de um tema.

Nem todo jogo, mesmo abordando o tema, é necessariamente útil. Por exemplo, posso ter um jogo de cartas sobre caubóis no velho oeste americano. Mas, baseado em filmes de "bang bang" italianos, o jogo não tem a precisão histórica necessária para ser material útil em sala de aula (exceto se um professor descobrir uma forma de usar que ainda não pensei).

O educador em sala de aula precisa ter conhecimentos de didática para usar um jogo. Precisa ter clareza em seu planejamento como o jogo pode ajudar e os porquês, ou o jogo não é apenas inútil, mas contra-producente.

Alguns educadores simplesmente levam um jogo de temática próxima à materia e deixam os alunos jogando - sem nem mesmo explicar as regras direito. Isso não é aula e muito menos "gamificação". Isso é preguiça, pura e simplesmente. É preciso acompanhar os alunos, suas dúvidas, usar o que está em jogo para formentar discussões e reflexões. É preciso ser Professor e não "aquele cara legal que não dá aula", capicce?

3) A direção da escola e o "Problema da Nota" - em algumas escolas e dependendo do momento que o jogo é aplicado, a diretoria de uma escola pode não compreender a função do jogo, resumindo sua desconfiança ao "mas como vamos dar nota para isso?".

Por ser educador (todos somos) mas não um professor de sala de aula, pessoalmente este é um problema na qual raramente penso, mas que amigos professores (fala Jorge!) chamaram a atenção para isso.

Nestes casos, [é preciso que o professor estabelçeça parâmetros avaliaveis sobre os alunos. Coisas como participação, grau de conhecimento utilizado no jogo, argumentação posterior etc. E isto precisa ser pensado, minimamente que seja, ANTES de se levar a proposta para a direção pedagógica.

Muitos bons projetos certamente podem morrer na praia exatamente por não levarem em consideração este aspecto prático, ainda que, pessoalmente, ache a nota um problema menor na educação, há uma certa obsessão generalizada por algo que "traduza" o desempenho de um aluno em um bimestre. E levar isso em consideração nunca fez mal. Conheça  o ambiente escolar na qual pretendo utilizar um jogo. Fica a dica.

4) Desconhecimento do jogo: Parece incrível, mas acontece de profissionais "ouvirem falar" de um jogo e quererm, na marra, levar o mesmo para sala de aula.

Isso é uma armadilha. Primeiro porque desconsidera a questão didática envolvida.

E segundo porque deixa a aula confusa para os próprios alunos. Imagine que uma regra traga vantagem a um personagem cavaleiro em um jogo de cartas. E ela não seja bem explicada antes.

Quando for a hora de usar esta regra outros alunos podem se sentir injustiçados - não sem certo grau de razão - e o que era para ser uma aula interessante vira uma discussão no mal-sentido.

5) Jogo muito grande para o tempo de aula:  Se uma aula tem 50 minutos, o jogo não pode ter 51 minutos de duração. Na verdade, qualquer coisa para além de 40 minutos de partida tendem a dar problemas.

Quando possível explique as regras do jogo ANTES, em uma aula anterior, e repasse rapidamente na aplicação do jogo, mas fique atento ao tempo. Se os alunos começam a demorar muito tempo para suas ações, a tend^^encia é estourar o tempo de aula antes do final. Isso é frustrante para os alunos e inutiliza parte do empenho no uso da ferramenta.

6) Jogos para poucos: Não adianta levar um jogo para 5 pessoas em um ambiente escolar de sala com 30 ou 40 alunos. Nem jogos que quem seja eliminado fique de bobeira sem jogar. Ficar vendo os outros jogarem por muito tempo é um saco. Lembre-se disso na aplicação deste tipo de dinâmica.

7) Regras Ilegíveis: As regras de um jogo são sua constituição (que bonita essa frase!). E como tal precisam estar acessíveis para os alunos, nem que seja de forma resumida. Jogos com regras em ingês, ou mal-escritas/ resumidas dificultam muito a dinâmica. Se for um jogo interessante mas, por exemplo, em língua estrangeira, e a tradução do texto for inviável, esteja sempre presente e repita quantas vezes for necessário uma regra que um aluno tenha dificuldade. Mas tente disponibilizar, em algum local, as regras para eles. Além de estimular a autonomia, isso poupa um pouco de tempo em sala de aula.

8) Competitividade e desmerecimento: Jogos podem ser competitivos, cooperativos ou algo entre ambos. Mas quando são competitivos é impotrtante dosar a vitória e a derrota de modo a não ficar pesado.

Se um aluno ganha e usa disso para desmerecer outros, o jogo para ele terá sido ótimo, mas para o restante será algo ruim. Ajudar vitoriosos e derrotados a lidar com isso de forma saudável é necessário para um bom convívio entre alunos da mesma turma.

Igualmente, há aqueles professores que, armados de um giz, são perfeitos babacas. Evite ser um deles. Se um aluno teve dificuldades ou tomou uma decisão insensata para aquela partida, seja generoso e pense junto outras soluções, estimule ele a tentar outras estratégias, etc.

 A infância e, sobretudo, a adolescência, são periodos de grandes incertezas e golpes duros na auto-estima. Muitos absorvem isso de forma saudável e sem traumas, Mas há alunos que podem ter dificuldades de lidar com perdas e fracasso, e para além da matéria dada, ajudar este aluno a superar um desafio pode ser mais relevante do que qualuquer
assunto outro abordado em sala de aula.

Enfim, tendo cuidados e bem utilizados, jogos podem ser excelentes ferramentas de ensino. Mas não adiantam se o professor não estiver presente em sala de aula, nas mais variadas formas, e não tiver clareza do que pretende com aquilo.

Seu uso é potencialmente fantástico. Mas sem a devida reflexão... "It´s a Trap!"

Pedro Vitiello

Nenhum comentário:

Postar um comentário